Lean é uma filosofia?
19 de setembro de 2016Lean e os e-mails
19 de setembro de 2016Sou um fã assumido de Lean. Lean é um modelo de sucesso comprovado que merece ser copiado por todas as empresas que busquem excelência em processos. Por outro lado, não dá para não ser fã de Jorge Paulo Lemann, dono do fundo 3G e de um sem fim de empresas gigantescas ao redor do mundo, o maior empresário brasileiro atual, uma pessoa que mostra que nosso povo tem potencial para grandes conquistas. Afinal, será que existe coisas em comum entre essas duas visões?
Conforme a matéria “Até onde ele vai” da Exame desta semana, o 3G busca “manter a disciplina e constantemente localizar dentro da companhia “o dinheiro que trabalha e o dinheiro que não trabalha””. Isso inclui cortar benesses de executivos como jatinhos, frigobares, salas luxuosas, chegando até a “usar os dois lados de cada folha ao imprimir documentos”. Nada mais alinhado com a cultura Lean que esta visão: Lean, enxuto ou seco, significa exatamente isso, trabalhar com o mínimo possível, eliminando tudo o que é desperdício, tudo que não agrega valor. A disciplina e a busca constante por diminuir custos que o 3G propaga é exatamente o que prega o Kaizen, a “alma” do Lean.
Outro ponto destacado pela revista é o objetivo do 3G de “estimular nos funcionários um comprometimento tão visceral com o resultado como se estivessem à frente da própria empresa”. O 3G, neste ponto, pode ajudar muito a entendermos como transpor uma das maiores dificuldades na implantação do Lean no ocidente: a questão cultural. Quando nasceu, na Toyota, essa questão de vestir a camisa nem foi uma preocupação, pois é uma realidade da cultura nipônica: funcionários lá vestem a camisa, é uma verdade clara e indiscutível. Vestir a camisa é essencial para implantar com sucesso a cultura Lean. Mas como fazer com que os funcionários ocidentais tenham essa mesma visão sempre foi uma pergunta sem uma boa resposta. O 3G consegue isso com remuneração variável acima de qualquer padrão anterior e com uma liberdade e autonomia muito grande da equipe. Se em teoria premiar os funcionários por melhorias não é algo previsto ou valorizado na cultura Lean, o fato é que o 3G mostra um jeito de sucesso de fazer os funcionários se comprometerem de corpo e alma com os resultados.
O Lean também prega que a liderança saia de seus castelos e vá até o gemba. É lá onde acontecem as coisas que a liderança tem que acompanhar a empresa. Na reportagem citada é exemplificado que o presidente do Burger King passou alguns dias lavando banheiro e aprendendo a fazer hambúrguer. Além disso, as salas são quebradas e todos passam a trabalhar em um mesmo espaço, independentemente da posição hierárquica. Mais um ponto em que as culturas se alinham.
Mas não podemos também fechar os olhos para as diferenças. E são diferenças muito, mas muito importantes. A principal é que o Lean valoriza muito o trabalho em equipe, a visão de colaboração na equipe e entre a empresa e seus clientes e fornecedores. Lean busca, com isso, melhorias de maior abrangência, no longo prazo, focadas na melhoria da empresa como um todo e até da cadeia de valor ponta a ponta. Mudanças como essas podem ser mais difíceis e mais lentas, mas tem maior impacto no longo prazo e criam um time e uma cadeia de valor harmônico e comprometido. E a Toyota é a prova concreta que essa visão funciona. Já o 3G tem uma visão bastante individualista, dando metas individuais para cada membro da equipe, o que os motiva a “correr atrás”, mas talvez dificulte uma visão mais colaborativa na busca pela otimização da empresa como um todo. E mesmo com relação aos clientes e parceiros , é fato que o 3G tem um foco bastante claro em dinheiro, em ganho imediato.
Outra diferença importante é que o Lean olha para a equipe como a detentora de conhecimento, como a fonte das melhorias. Lean é evolutivo, acredita nas pessoas e em sua melhoria constante. Já na cultura 3G fica claro que quando alguém não está alinhado à visão da empresa, essa pessoa é substituída rapidamente. Ou você pensa do jeito que eles acreditam estar certo ou você está fora.
O Lean já está sendo usado há mais de meio século e não há dúvidas que funciona na busca por processos de excelência, mas tem falhado em ajudar o Japão a sair de uma estagnação de duas décadas. O 3G tem conseguido um sucesso sem precedentes em pouco tempo, mas ainda é uma dúvida a ser respondida se a visão de Lemann é sustentável no longo prazo . O fato é que não há dúvidas que tanto os ensinamentos da Toyota quanto os do 3G são inspiradores e não podem deixar de ser considerados por qualquer empresário que queira fazer sua empresa crescer no mundo de hoje.
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